Encontrou-a solitária sentada à sombra de uma árvore, à beira do gramado "campinho de futebol" da universidade. Chegou sorrateiramente, não querendo distrair-lhe demasiado a atenção.


- Olá... - falou com uma voz calma e amigável. Sentiu os olhos curiosos da menina o analisarem por alguns segundos antes de responder-lhe com um sorriso, expressando uma sincera alegria em vê-lo.
- Oi! - respondeu docemente a pequena menina de olhos azuis.
Sem delongas, ele logo posicionou-se a seu lado, com os joelhos dobrados e envolvidos por seus braços. Como quem não quer nada, olhando para o horizonte, perguntou:
- Qual o problema de hoje?
Ela o encarou por um instante, com um ambíguo olhar de dúvida e aprovação. Voltou a fitar o horizonte.
- Por que você acha que existe algum problema? - e logo tendo concluído a frase, pôde ouvir um breve sorriso. Não precisava girar a cabeça para saber que ele expressava um sorriso de canto de boca. Sem movimentar-se em sua direção, ele retrucou:
- Quando quiser.
Ela suspirou. Sabia que não adiantava tentar esconder ou bancar a durona. Não com ele, que a conhecia tão bem, por muitas vezes, melhor do que ela mesma. Manteve silêncio por alguns minutos. Sua boca abria-se como se quisesse dizer algo mas era traída pela censura de seus pensamentos e dificuldade em encontrar as palavras certas, que levavam-na a cerrar novamente os lábios.
- Eu não entendo - começou e fez uma breve pausa, como quem ainda procura organizar as ideias - Tanta coisa acontecendo e, justo eu que sempre me achei resolvida, achei saber lidar com os problemas, me vejo perdida, escrava de meus sentimentos e emoções...
- Ressentir - falou o rapaz com uma voz serena, atropelando os pensamentos da moça.
- O que? -   questionou verdadeiramente surpresa.
- Quanto tempo já se passou? - indagou-a olhando firmemente em seus olhos.
- Do que você esta falando? - olhou-o confusa.
- Veja - continou ele - as pessoas sabem que o lembrar e relembrar só mantém viva a memória e, consequentemente, a dor. Elas sabem que se procurarem, encontrarão... Mas insistem em buscar o que não lhes acrescentará algo. Uma desculpa para desvencilhar-se da culpabilidade e consequência de seus atos, como se o único a ferir-se com um erro fosse o próprio ego e o outro fosse isento de sentimentos e vida. É verdade que o sofrimento é um componente em estado gasoso - não importa o tamanho, ele ocupará todo o espaço possível - mas deixar que ele permaneça, na maioria dos casos, é uma opção.
Ela o encarava com uma incredulidade superficial. Sabia que por detrás de todas aquelas palavras aparentemente grosseiras e rudes havia um coração que buscava ajudar e consolar... E que estava certo.
- É possível aprender e crescer com todos os passos que damos. Basta estarmos aptos a isso. Basta estarmos aptos a olhar e seguir em frente. Eu sei que a teoria é muito mais fácil do que a prática, mas viver é uma questão de escolha. Quando um furacão assola uma comunidade ou cidade, leva sempre consigo pedaços de algo que já foi concreto e sólido e deixa seu rastro - a bagunça, os estragos, a destruição. E, em certos momentos da vida, é assim que nos sentimos: tomados por um furacão, desolados e desorientados após a turbulência. Sabemos, porém, que é necessário organizar o lixo e reconstruir o que foi destruído. Descobrimos, quase que por acaso, uma nova forma de olhar o mundo, de valorizar e cuidar do que temos. Não será possível recuperar o que já foi, mas há a possibilidade de construir algo novo e, porque não, melhor!? Não importa que furacão mexeu com suas estruturas - falou em tom de brincadeira - não se deixe abater por isso. A vida é feita de mudanças, movimentos. "Em um eletrocardiograma a linha reta anuncia a morte".
Ela sorriu. Ficaram ali os dois a encarar o vasto e, nesse momento, vazio campo.

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